Moradores de Corumbá (MS) e Ladário (MS), municípios às margens do rio Paraguai, afirmam que a aproximação de onças-pintadas a áreas urbanas se tornou mais frequente nos últimos meses. A presença dos felinos mudou a rotina local e levou a medidas de segurança adotadas pela comunidade e pela Polícia Militar Ambiental (PMA).
Segundo especialistas pantaneiros, o aumento nos avistamentos de onças se dá por quatro possíveis fatores:
- 🌊Cheia no rio Paraguai, oitavo maior em curso de água da América do Sul
- 📱Percepção aumentou devido a intensificação da comunicação entre moradores e órgãos ambientais
- 🐶A presença de presas fáceis, como cães e bezerros, na área urbana
- 🔥Os incêndios dos últimos anos
De acordo com a PMA, neste ano já foram feitos dois registros sobre onças na área urbana de Corumbá e Ladário. No ano passado, no mesmo período, nenhum registro tinha sido feito.
Além da mudança na rotina dos moradores e do reforço no monitoramento, Organizações Não Governamentais (ONGs) têm intensificado ações de conscientização ambiental, destacando a convivência entre humanos e animais silvestres no Pantanal.
Rotinas alteradas

De acordo com relatos de moradores, PMA e ONGs que atuam no Pantanal, as onças foram avistadas em pelo menos quatro bairros de Corumbá e Ladário:
- Assentamento 72, em Ladário
- Baía Negra, uma Área de Proteção Ambiental também de Ladário
- Região da Cacimba da Saúde, no bairro Cervejaria, em Corumbá
- Na região do Mirante da Capivara, em Corumbá
Larissa Freitas e outros nove familiares moram no bairro Assentamento 72, em Ladário (MS), às margens do rio Paraguai. Ela relata que os encontros com onças-pintadas aumentaram após os incêndios de 2020, quando o fogo consumiu 26% do bioma e mais de 4,65 bilhões de animais foram afetados.
“Minha sogra mora aqui há mais de 20 anos e isso nunca tinha acontecido. Depois das queimadas, tanto as onças quanto os porcos-do-mato começaram a se aproximar”, conta Larissa.
O biólogo e doutorando em ecologia ambiental Diego Viana explica que os incêndios provocam uma “reorganização espacial das espécies, o que pode alterar o comportamento e aumentar os avistamentos [em áreas urbanas]”.
Desde o fim do ano passado, Larissa e a família presenciaram ataques a um bezerro, um porco, uma cadela e um cachorro. Em um dos casos, uma onça teria invadido a casa da sogra e atacado um dos cães.
Para evitar novos ataques, a família mudou a rotina. “Às 18h, todos já estamos dentro de casa, com os cachorros trancados. É o que conseguimos fazer por segurança”, explica.
Em outra região, próximo à Baía Negra, Maria de Lourdes de Arruda também percebeu o aumento da presença de onças em áreas urbanas. “Elas aparecem a qualquer hora. Vimos uma pelas câmeras, de madrugada.”
Maria de Lourdes e o marido reforçaram grades e portões e passaram a controlar os horários dos animais no quintal. Ela defende uma convivência responsável com a fauna silvestre. “Aqui é o habitat das onças. Se escolhemos viver neste lugar, precisamos tomar as devidas precauções. Mudamos nossa rotina.”
O analista do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), Luka Gonçalves, afirma que a cheia do rio Paraguai — principal afluente do Pantanal — está diretamente ligada ao aumento de avistamentos de onças em áreas urbanas de Ladário e Corumbá. “Durante a cheia, os animais perdem território seco e buscam refúgio nas áreas mais elevadas, o que os aproxima das cidades”, explica.
- 🌊🚢Em maio de 2025, o rio atingiu 2,80 metros — o dobro do registrado no mesmo período de 2024 (1,40 m), segundo o Serviço Geológico Brasileiro. Atualmente, o cenário ainda é de cheia, já que o rio ainda recebe água das cabeceiras, reduzindo o habitat natural das onças. O afluente banha cidades pantaneiras de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
- ⚠️🔥 Em 2024, o Pantanal sofreu mais um ano devastador com queimadas que destruíram mais de 2,62 milhões de hectares, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), da UFRJ. Segundo o especialistas, o fogo empurrou as onças para as margens do rio. Com a volta do processo de cheia, os felinos agora buscam abrigo em áreas mais altas
Além da cheia e do incêndios, outros dois fatores contribuem para essa aproximação: aumento da comunicação entre moradores e órgãos ambientais e a maior presença de animais domésticos (presas fáceis).
Para o biólogo Diego Viana, é essencial lidar com a situação de forma equilibrada. “É preciso proteger os animais domésticos e, ao mesmo tempo, garantir a atuação de instituições públicas e do terceiro setor na conservação da fauna e na segurança das pessoas.”
O especialista lembra que ataques a cães e carneiros não são novidade. “Cães, ovinos e outros animais domésticos não são nativos do Pantanal. Há registros históricos e relatos orais de comunidades tradicionais, indígenas, pecuaristas e moradores sobre conflitos com onças.”
André Luiz Siqueira, diretor-presidente da ONG Ecoa, reforça que moradores relatam um aumento na presença de onças desde os grandes incêndios de 2020 e as secas severas de 2021. “O maior receio é com crianças e idosos. Notamos também uma mudança nos hábitos alimentares das onças, que passaram a consumir presas menores, como galinhas, cachorros e restos de peixe.”
Para o representante da Ecoa, essas mudanças estão ligadas a eventos climáticos extremos. “São muitas as causas possíveis, mas é urgente ampliar os estudos sobre a relação entre humanos e onças no Pantanal.”
O IHP informou que ainda é prematuro confirmar quantos animais, de fato, estão próximos da área urbana de Corumbá e Ladário. “Os avistamentos de onça-pintada ocorreram em áreas que estão muito próximas do Canal Tamengo, que se conecta ao rio Paraguai. Ainda é importante ressaltar que Corumbá está localizada dentro do Pantanal, com conexão intrínseca com a natureza e a vida selvagem”, detalha o instituto em nota publicada nas redes sociais.
Ações de monitoramento
Das duas denúncias de avistamento de onças recebidas pela PMA, nada foi constatado durante as vistorias. Em nota, a corporação explicou que foram realizados encaminhamentos aos órgãos responsáveis. “Além dessas, as demais informações que chegaram até nós [PMA] foram por meio da imprensa ou de conversa informais, sem qualquer registro oficial”.
Em nota, a PMA explica que tem instalado e utilizado imagens de câmeras em pontos estratégicos — principalmente em áreas turísticas — para monitoramento contínuo. As imagens têm ajudado a confirmar relatos, identificar padrões e orientar medidas, como o possível remanejamento de animais. A localização das câmeras não é divulgada para evitar interferência da população.
De acordo com a PMA, os dados coletados sobre os avistamentos são repassados diretamente à Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, que decide sobre as ações cabíveis, sempre com base em critérios técnicos e evidências.
“No caso de ataques a cães e gatos em áreas urbanas, realizamos a conferência das informações e a verificação da veracidade dos fatos. Se confirmados, procedemos com o levantamento do local, incluindo a coleta das coordenadas geográficas, a fim de elaborar um mapeamento preciso”, destaca a nota enviada à pedido do g1.
Orientações de segurança

O IHP reforça a importância de agir com cautela e responsabilidade. Em caso de emergência ou avistamento de onças, os moradores de Corumbá e Ladário devem entrar em contato imediatamente pelos telefones (67) 3232-2469 ou (67) 99266-4052. Em outras cidades do Brasil, o contato deve ser feito com a PMA local.
É essencial informar o local, a data e o horário aproximado da ocorrência. Caso haja registro em foto ou vídeo, o material deve ser compartilhado com as autoridades para auxiliar no monitoramento.
⚠️🐆Orientações básicas de segurança em áreas com presença de onças:
- Não se aproxime do animal. Evite qualquer tentativa de contato, mesmo que a onça pareça tranquila
- Redobre os cuidados se houver filhotes ou carcaças por perto, pois o comportamento pode ser mais agressivo
- Mantenha luzes externas acesas em locais onde há suspeita ou registros da presença de onças
- Nunca alimente animais silvestres e não descarte resíduos orgânicos em áreas de ocorrência
- Evite locais com indícios de “ceva” — prática criminosa que consiste em oferecer alimentos para atrair animais selvagens. Além de ilegal, ela aumenta o risco de conflitos. Denúncias devem ser feitas à Polícia Militar Ambiental
- Fique atento a pegadas no trajeto. Se forem recentes, evite circular sozinho pelo local
- Ao avistar uma onça no caminho, mantenha distância e aguarde o animal se afastar
- Se o encontro for direto, não corra nem se vire de costas. Esse comportamento pode ser interpretado como o de uma presa
- Mantenha contato visual e afaste-se lentamente, sem movimentos bruscos, andando de ré até sair do campo de visão da onça
- Após o animal deixar a área, evite retornar imediatamente ao trajeto. Espere algumas horas, sempre atento ao ambiente ao retomar o caminho



Fonte: G1